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      09/12/2020 | Agência Nacional de Transportes Terrestres

      A quem interessa manter monopólios no transporte interestadual de passageiros?


       Do conjunto de setores regulados no Brasil, o setor de transporte rodoviário é o que tem apresentado maior dificuldade e resistência para a criação de um ambiente regulatório competitivo que possa gerar a melhoria dos serviços e diminuição das tarifas para os usuários.

      Com a criação da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), em 2001, a ideia era promover um ambiente mais competitivo e o ingresso de novos investimentos por meio da reorganização das rotas e realização de processos licitatórios para outorga das linhas interestaduais e internacionais (TRIIP). Porém, mesmo com as determinações legais de realização de licitação (art. 26 original da Lei nº 10.233/2001), com as iniciativas da agência reguladora (especialmente o Plano de Outorgas, Res. ANTT 3872/2012) e as decisões dos órgãos de controle para a realização de processos competitivos (por exemplo, Acórdãos TCU 1926/04 e 2.903/12), as licitações nunca chegaram ao final.

      O resultado para a sociedade brasileira foi péssimo. O Brasil tem uma das tarifas mais caras do mundo ($/Km viajado) e a maioria das linhas no transporte interestadual ainda são operadas em regime de monopólio puro. Segundo dados da própria ANTT, em 2019 cerca de 66% do total de mercados dependiam de um único operador (monopólio), 26% possuíam apenas duas empresas operando (duopólio) e somente 8% tinham três ou mais operadores concorrendo pelos usuários de ligações interestaduais. Acrescente-se ainda que tais percentuais consideram como concorrentes empresas que pertencem a um mesmo dono. Caso o cálculo fosse feito considerando os grupos econômicos atuantes no setor, os indicadores de concorrência na prestação desse serviço seriam ainda piores.

             A partir de 2014, a ANTT, o Congresso Nacional e o Poder Executivo buscaram alternativas para promoção da competição e atração de novos investimentos. Por determinação da Lei nº 12.996/14 e do Decreto nº 10.157/19, a agência pode utilizar o regime jurídico da autorização para o ingresso de novos atores no setor. O mecanismo é inteligente e eficaz, pois parte do reconhecimento de que a prestação de serviço de transporte interestadual não é um monopólio natural, ou seja, pode ser operado em regime de concorrência entre vários agentes econômicos ao mesmo tempo.

      O regime de autorização contribuiria não só para o aumento da competição, mas também permitir que os agentes econômicos que querem cumprir estritamente a Lei e prestar o serviço de acordo com todas as determinações regulatórias impostas pela ANTT o façam de maneira regular, inibindo a atuação de transportadores clandestinos, que descumprem de forma contumaz as regras de segurança e bem estar dos passageiros.   

             Desde a aprovação do regime de autorização as resistências que impediram por anos a realização das licitações tomaram uma nova forma, utilizando o mesmo argumento da necessidade de se respeitar o “processo licitatório”. Os dispositivos acrescidos pela Lei 12.966/2014 foram questionados pela ADI 5549 e pela ADI 6270, ambas em pauta para julgamento no Supremo Tribunal Federal. Ao mesmo tempo, tramitam no Congresso Nacional proposições voltadas a eliminar o regime de autorização.

      A armadilha aqui está exatamente no jogo de palavras. A súbita defesa do regime de permissão e da realização de licitação que tomou conta de parte do setor nada tem haver com a defesa da pluralidade e da competição, mas sim, parece ser a forma mais fácil de fazer a legislação andar para trás, eliminando o potencial competitivo das autorizações. O que se busca, na verdade, é retornar à paralisia da situação observada antes da Lei 12.966/14 e do Decreto 10.157/19, na qual, apesar das determinações legais e dos órgãos de controle, as licitações simplesmente não chegavam ao seu final, fossilizando monopólios dos mesmos grupos empresariais que operam o setor há décadas.

      Em que pesem as constantes tentativas para sua derrubada, o regime de autorização tem sido mantido até o momento pelo Poder Judiciário e pelo Congresso, o que permitiu avançar no processo de autorização de entrada de novos agentes no mercado. O Decreto nº 10.157/2019 reforçou a possibilidade de outorga de autorizações como regra, e as restrições à concorrência como exceção. Em agosto deste ano, a agência deu mais um passo importante para implantação do novo regime ao colocar em discussão regras ainda mais claras para autorização de novas empresas (Tomada de Subsídios nº 4/2020). O objetivo da ANTT é promover um choque de investimentos e competição, buscando democratizar o acesso de todos ao transporte rodoviário, com padrões elevados de qualidade, seja no atendimento ao usuário, seja em relação aos requerimentos de segurança e fiscalização na entrega do serviço.

      Caso o processo siga adiante, não faltarão interessados em realizar novos investimentos. Já se encontram na ANTT mais de 74 mil solicitações para operar em todo o país. A análise mais atenta dos pedidos de autorizações pendentes na ANTT desmente de forma categórica a argumentação de que os que pleiteiam autorizações querem atuar apenas nos mercados de grande demanda. A verdade é que o atendimento dos pedidos de autorização pendentes aumentaria de 1882 para 2300 o número de municípios atendidos pelo transporte interestadual e internacional. Destaque-se que 86% dos municípios que receberiam os novos autorizados encontram-se na faixa de até 50 mil habitantes. Além disso,  78% das solicitações de autorização correspondem a ligações interestaduais ainda não atendidas. A autorização dessas novas linhas poderia resultar em um incremento de 175% na cobertura do serviço nacionalmente.

      A abertura de mercado pode permitir também que empresas de tecnologia e inovação ofereçam novas alternativas ao consumidor. São startups que conseguem garantir comodidade, melhor preço e conforto para os passageiros desde o momento da compra da passagem até a viagem em si. Nas rotas nas quais as autorizações já foram outorgadas os resultados positivos são claros: redução expressiva do preço nominal das passagens e do preço por quilômetro em comparação com linhas onde não há concorrência.      

             A ampliação da concorrência e dos investimentos no setor dependem, no entanto, do fortalecimento da segurança jurídica do regime de autorização. Esse fortalecimento passa pelo seu reconhecimento definitivo no julgamento das ADI’s 5549 e 6270 e pela aceleração das outorgas pela ANTT, tornando efetiva a entrada de novos agentes econômicos em um setor com muito potencial para crescimento. Fortalecido o regime de autorização, ganhará o consumidor brasileiro com mais opções de viagens, em ônibus melhores e a preços menores.

      Diogo de Sant' Ana, Diretor Executivo da Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec)



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